quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Cinema Brasileiro: Uma jornada pela história do cinema nacional (Parte 1)

 Quando o assunto é cinema nacional, muita gente já solta aquele famoso discurso “ah, filme brasileiro é muito ruim”, “filme brasileiro é fraco”, “Brasil não faz filme bom”. Mas será que essa ideia faz mesmo sentido? Ou é apenas um reflexo de preconceitos e desconhecimento? Por trás dessa opinião, existe uma indústria cheia de lutas, conquistas e produções que marcaram épocas e gerações, feitas por pessoas talentosas que colocam o Brasil no mapa do audiovisual mundial. Então, será que você conhece a história do nosso cinema e essas obras?

O cinema brasileiro começou lá no finalzinho do século XIX, quando os irmãos Paschoal Affonso e Segreto filmaram a Baía de Guanabara em 19 de julho de 1898. Apesar desse registro ter sido perdido, a data marcou o nascimento do nosso cinema, sendo conhecida como o dia do cinema brasileiro. Nos primeiros anos, tudo era improvisado, faltava eletricidade, as salas de exibição eram poucas e muitos filmes mostrados vinham de fora, principalmente da Europa. Mesmo assim, os primeiros cineastas brasileiros já registravam o cotidiano, as cidades, as festas e até alguns crimes que inspiraram ficções.

Mas essa fase durou pouco. Com a Primeira Guerra Mundial, a produção europeia caiu e os filmes estadunidenses começaram a dominar as telas brasileiras. Hollywood adentrou nosso cinema com histórias bem estruturadas, ritmo e finais felizes, um "padrão" que conquistou o público e enfraqueceu ainda mais as produções nacionais.

Mesmo nesse cenário, surgiram grandes estúdios como a Cinédia, nos anos 1930, que tentaram seguir um modelo mais profissional e até simpatizar com o estilo hollywoodiano. Foi nessa época que Carmen Miranda virou estrela e que o cinema sonoro finalmente ganhou força no Brasil. Pouco tempo depois, nos anos de 1940 e 1950, veio um dos fenômenos mais engraçados e populares do país, as chancadas. Eram comédias leves, divertidas e cheias de músicas, com figuras como Oscarito e Grand Otelo. A crítica repreendia, mas o público abraçava e lotava os cinemas.

Enquanto isso, outro movimento completamente diferente estava nascendo. No final dos anos 1950 e início dos 1960, jovens cineastas começaram a questionar essa tentativa de produzir um cinema "padronizado" no modelo de Hollywood. Assim surgiu o cinema novo, liderado por Glauber Rocha. A ideia era mostrar a realidade do Brasil sem maquiagem, destacando a pobreza, desigualdade, conflitos sociais. Era um cinema mais político, direto e cheio de significado. Filmes como Vidas Secas, Deus e o Diabo na Terra do Sol e Terra em Transe marcaram profundamente a história do audiovisual brasileiro.

Ao mesmo tempo houve também o cinema marginal, mais experimental e radical, que rejeitava qualquer forma tradicional de narrativa. Foi um período de busca por liberdade artística num país vivendo sob a pressão da ditadura militar.

Para tentar organizar e fortalecer a indústria, o governo criou em 1969, a Embrafilme, responsável por financiar, distribuir e incentivar o cinema nacional. Esse foi um momento importante pois vários filmes brasileiros passaram a circular mais, ganhar bilheterias enormes e alcançar o público de forma muito mais ampla. Dona Flor e Seus Dois Maridos, Os Trapalhões e diversos filmes comerciais marcaram presença forte nas salas.

Porém , nos anos 1980, o Brasil enfrentou uma crise econômica séria. O videocassete se popularizou, as pessoas foram menos ao cinema e a produção nacional despencou. a situação piorou de vez em 1990, quando o governo Collor acabou com a Embrafilme e praticamente destruiu o pouco avanço que ainda existia. Em 1992, por exemplo, só três filmes brasileiros foram lançados em todo o país.

Foi aí que, a partir de 1994, começou a fase chamada retomada. Novas leis de incentivo ressuscitaram o cinema nacional, e uma série de filmes importantes voltou a aparecer. Carlota Joaquina abriu caminho para obras como O Quatrilho, O Que É Isso, Companheiro? e Central do Brasil, que ganharam destaque internacional e até indicações ao Oscar. Apesar disso, ainda era difícil competir com Hollywood dentro do próprio país, mas o cinema brasileiro voltou a ter voz, qualidade e reconhecimento.

O filme que marcou o fim simbólico da retomada foi Cidade de Deus(2002), de Fernando Meirelles. Ele explodiu no mundo inteiro, recebeu quatro indicações ao Oscar e mostrou que o Brasil podia, sim, fazer cinema de altíssimo nível.

Depois disso, na fase chamada pós retomada, o cinema brasileiro se consolidou com produções comerciais de grande público, como Tropa de Elite, Minha Mãe É Uma Peça e De Pernas pro Ar, ao mesmo tempo em que produções independentes começaram a ganhar força em festivais internacionais. Diretores como Kleber Mendonça Filho, Gabriel Mascaro, Petra Costa e Anna Muylaert mostraram que o Brasil sabe fazer cinema diverso, corajoso e autoral.

Mesmo com crises recentes, corte de verbas e incertezas políticas, o audiovisual brasileiro continua vivo, agora contando também com o apoio de plataformas de streaming, da internet e das novas formas de produção.

Cinema Brasileiro: Uma jornada pela história do cinema nacional (Parte 2)

 Nossa história no cinema é cheia de altos e baixos, mas também é marcada por criatividade, resistência e talento. E quando a gente olha para tudo isso, aquela frase "filme brasileiro é fraco" perde completamente o sentido. Agora sabendo da nossa história, vamos conferir algumas produções que fizeram história e marcaram milhões de pessoas.

O Pagador de Promessas (1962) Direção: Anselmo Duarte

Zé do Burro carrega uma enorme cruz até uma igreja em Salvador para pagar uma promessa feita a Santa Bárbara, mas enfrenta intolerância e burocracia ao ser impedido de entrar. O filme critica o coque entre fé popular e instituições religiosas. ele se tornou um marco do cinema mundial e o único brasileiro vencedor da Palma de Ouro. 

Vidas Secas (1963) Direção: Nelson Pereira dos Santos

Acompanha uma família de retirantes e a cadela Baleia enquanto enfrentam seca, fome e miséria no sertão nordestino. Com estética dura e silenciosa, retrata a opressão e a invisibilidade social. É um dos filmes mais emblemáticos do cinema novo pela força realista de suas imagens.

Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) Direção: Glauber Rocha

Manuel e Rosa fogem após Manuel matar o patrão e acabam divididos entre seguir um líder messiânico ou o cangaço. A obra mistura política, religiosidade e violência sertaneja para retratar a luta contra a opressão. É considerado um dos filmes mais importantes da história do cinema brasileiro.

Macunaíma (1981) Direção: Joaquim Pedro de Andrade

Macunaíma, um anti-herói preguiçoso, vive aventuras absurdas que revelam contradições sociais e culturais do Brasil. a narrativa mistura humor, fantasia e crítica social. Baseado no romance modernista, o filme ironiza a identidade nacional com atrevimento e estilo único.

Eles Não Usam Black-Tie (1981) Direção: Leon Hirszman

Retrata uma família operária dividida entre apoiar ou não uma greve, refletindo os conflitos entre militância, medo e sobrevivência. O filme mostra tensões políticas e afetivas no contexto do movimento sindical. Se tornou uma referência do cinema político brasileiro. 

Ilha da Flores (1989) Direção: Jorge Furtado

Através do percurso de um tomate, o curta expõe desigualdade, fome e consumo exagerado com humor ácido e montagem veloz. A narrativa demonstra como seres humanos acabam disputando restos com animais em um lixão. É um dos curtas mais premiados e impactantes do mundo.

Central do Brasil (1998) Direção: Walter Salles 

Dora e o menino Josué viajam em busca do pai dele, criando um vínculo de afeto durante o trajeto pelo interior do Brasil. o filme explora abandono, esperança e reconstrução emocional. Recebeu grande reconhecimento internacional e marcou a retomada do cinema nacional.

Tropa de Elite (2007) Direção: José Padilha 

Mostra a rotina violenta do BOPE sob a perspectiva do capitão Nascimento e denuncia corrupção, abuso de poder e desigualdade. Com linguagem intensiva e realismo brutal, gerou grande debate sobre segurança pública. Venceu o Urso de Ouro no festival de Berlim.

Minha Mãe É Uma Peça (2013) Direção: André Pellenz

A comédia acompanha Dona Hermínia, uma mãe exagerada e amorosa que enfrenta conflitos com seus filhos enquanto tenta lidar com sua vida familiar. O humor cotidiano revela afeto, caos e identificação com o público brasileiro. Se tornou um fenômeno de bilheteria também com suas sequências.

Cidade de Deus (2002) Direção: Fernando Meirelles e Kátia Lund

A narrativa acompanha Buscapé e o crescimento do crime organizado na favela Cidade de Deus ao longo de décadas. Com montagem ágil, violência crua e personagens marcantes, revela exclusão social e falta de oportunidades. É considerado um dos maiores filmes da história do Brasil.

Homem com H (2025) Direção: Esmir Filho

Documentário sobre Ney Matogrosso que revela sua vida artística, sua estética ousada e sua influência cultural no Brasil. A obra reúne entrevistas, bastidores e performances marcantes. Mostra a força de sua personalidade e importância na música nacional.

Bacurau (2019) Direção: Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles

Um pequeno vilarejo sertanejo desaparece misteriosamente dos mapas e descobre que está sendo caçado por estrangeiros. O filme mistura ficção científica, faroeste e crítica política ao falar de resistência comunitária. Se tornou um símbolo do cinema brasileiro contemporâneo

Madame Satã (2002) Direção: Karim Ainouz

Retrata a vida de João Francisco, artista e figura da Lapa nos anos 1930, conhecido como Madame Satã. O filme mostra sua luta contra o preconceito, violência policial e pobreza, ao mesmo tempo que exibe sua força e criatividade. É uma obra intensa sobre resistência e identidade.

 Carlota Joaquina (1995) Direção: Carla Camurati

Com muito humor e ironia , o filme revisita a chegada da corte portuguesa ao Brasil, ironizando eventos históricos e comportamentos da elite colonial. Mistura teatralidade com crítica política. Foi um dos títulos que marcou a retomada do cinema nacional.

Limite (1931) Direção: Mário Peixoto

Acompanha três personagens à deriva em um barco enquanto lembram seus passados através de imagens simbólicas e poéticas. Com estética experimental e narrativa não linear, discute liberdade, dor e memória. É considerado um dos filmes mais importantes e inovadores do cinema mundial.

Cabra Marcado para Morrer (1984) Direção: Eduardo Coutinho

Começou como uma ficção sobre um líder camponês, mas foi interrompido pela ditadura e retomado 20 anos depois como documentário. Revisita pessoas reais e mostra as marcas deixadas pela repressão política. É um dos maiores registros da memória social brasileira.

Bicho de Sete Cabeças (2001) Direção:Laís Bodanzky

Neto é internado à força em um manicômio, onde enfrenta maus tratos e abusos que revelam a violência do sistema psiquiátrico da época. A obra discute relação familiar, saúde mental e injustiça institucional. Baseado em acontecimentos reais.

Carandiru (2003) Direção: Héctor Babenco

Inspirado nos relatos do Dr. Drauzio Varella, retrata o cotidiano dos detentos do presídio Carandiru e suas histórias pessoais. O filme termina no massacre de 1992, denunciando o abandono e a brutalidade do sistema prisional. É marcante pela força de seu realismo social.

Depois desse passeio pelos filmes brasileiros, dá para ver como nosso cinema é muito mais rico do que muita gente imagina. Cada obra mostra um pedaço do país e nos faz olhar para nossa própria realidade de um jeito novo. Vimos que o cinema nacional não é só entretenimento, é conversa, reflexão e identidade. Agora que você já conhece tantas histórias, que tal compartilhar esse texto com alguém que ainda insiste em dizer que "filme brasileiro não presta"? Quem sabe essa pessoa descubra finalmente tudo o que nossa história cinematográfica oferece e representa!!