sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Pixo: um outro olhar

O pixo é uma manifestação muito presente no estado de São Paulo, predominantemente na capital, e está alocado no cotidiano de muitos brasileiros, mesmo que indiretamente. Dessa forma, torna-se interessante a análise e o desenvolvimento de uma lente crítica diferente acerca do assunto, coincidentemente você chegou neste breve artigo e está convidado para a leitura.


"Passageiro do Brasil, São Paulo, agonia
Que sobrevivem em meio às honras e covardias
Periferias, vielas, cortiços
Você deve tá pensando: O que você tem a ver com isso?"

                                                        - Racionais MC's, Nego Drama

Origens

No Brasil, a pichação (com ch) se inicia em meados da década de 60 com a ditadura militar, carregando um grande cunho político em relação à insatisfação social, com mensagens contra a ditadura, com críticas e as mais diversas manifestações populares nos muros. Neste primeiro momento não apresentava letras estilizadas, preocupação estética ou uma comunidade de pixadores (surgirão com o Movimento Pixo), mas ainda sim quando eram pegos sofriam violência e repressão. Em seguida, surgiram as manifestações poéticas, só nos anos 80 que a pixação, com o Movimento Pixo, começou a tomar uma similaridade ao que temos hoje, principalmente com a popularização do movimento punk naquele período. Houve uma espécie de desdobramento deste movimento aqui no Brasil, foi realizada uma antropofagia, em maioria, por parte da periferia, que em suma, trouxe para essa manifestação o caráter anárquico, com inspirações de fontes de letras de capas de banda de rock (como Kiss e Iron Maiden) e runas anglo-saxônicas (alfabeto dos povos germânicos). 


Esses acontecimentos foram necessários para o nascimento do que temos como o pixo paulista, que foi fortemente caçado  com a eleição de Jânio Quadros para prefeito da cidade de São Paulo, em 1986, que foi responsável pela aplicação de políticas de limpeza pública. Com a constante invisibilidade da periferia e o sufocamento de tal expressão, o pixo começou a tomar outros rumos na década de 90, com um caráter de reconhecimento individual, lazer e adrenalina. No entanto, isso não impediu que o valor de protesto carregado fosse destruído, apenas transformado antropofagicamente em um estilo próprio brasileiro, ao passo que muitos artistas de rua internacionais buscam no pixo paulista, considerado original e expressivo, inspiração para suas obras.



O que o pixo nos diz

Talvez seria incorreto começar pelo que a pixação nos diz: a arte do pixo não está no literal. Segundo muitos pixadores, é um processo criativo, um estilo de vida, de devoção à arte, à medida que muitos correm riscos severos em sua prática, além de serem pegos como infratores da lei, podem se acidentar e vir a óbito.


A pixação, diferente de outras manifestações e protestos, não está no visual, mas sim no ato. Muitas vezes não carregam em seu visual mensagens complexas, apenas os pseudônimos dos autores para a identificação na comunidade, não é para ser legível ou compreendida pela massa, a essência é a ilegalidade, a anarquia, a proibição, a raiva. 


São Paulo deu espaço para essa manifestação, a energia da metrópole foi fundamental para sua repercussão até os dias atuais, abriu o espaço com a verticalização constante, para que se tornasse um caderno de caligrafia para aqueles que buscam uma brecha para respirar, é a forma de desabafo, pausa, grito, poesia e crítica social de gerações que precisam se expressar através da destruição, com uma comunição interna de pixador para pixador, a única comunicação com a sociedade é indireta e violenta, é feita para agredir. A periferia achou uma forma de se revoltar, com a máscara do feio, do incompreensível, conseguem transcender os muros que separam as classes, criando uma afronta, principalmente moral, quanto à prática. 


Muitos artistas periféricos consideram que o grafite é uma moeda comercial, diferente do pixo que não está dentro da lógica de mercado, logo, apresenta um valor social negativo. Além disso, também consideram que tal manifestação não precisa ser dita como arte por uma instituição, pois é justamente ir contra sua essência. É a fuga e a revolta crua, a invisibilidade fertiliza o cenário que propicia a ocuparem-se dos espaços públicos para os artistas deixarem suas marcas, para contribuir com um meio que pouco são representados. 


A sociedade está dependente de padrões, de identidades forjadas, do limpo, liso, uniforme, tudo que foge disso é destoante, torna-se facilmente uma agressão às formas díspares. Os pixadores periféricos, muito marginalizados, formam comunidades que além de serem brechas para a formação de vínculos positivos de amizade, ganham reconhecimento na cena local como praticantes. Participam de encontros e festas escondidas, onde é possível trocar suas assinaturas, que seriam os pixos específicos de cada artista, dessa maneira, oportuniza com que sejam registradas sua existência, pois pouco se tem catalogado sobre, apenas os amantes da comunidade costumam fazer gravações e fotos. Estes, infelizmente, acabam por se perderem pelo tempo, ao passo que não compõem o acervo de instituições formais: estão nas ruas.


No Brasil, o pixo é considerado vandalismo e crime ambiental, seguindo a lei Lei 9.605/98, prescreve multa e detenção ao praticante. Não é considerada uma arte pelo rigor da lei, moralmente existe a tolerância zero contra a pixação, onde o artista é visto como vagabundo e/ou bandido. Nesse panorama, é inevitável que exista uma constante briga entre o governo e os pixadores, na qual há uma maior preocupação em apagar os grafites do que cuidar de medidas públicas que favoreçam as periferias. As gravatas que dão as regras do jogo. 


No senso comum, pixação é ligada à criminalidade, ignorando as pluralidades, com o argumento de ataque à propriedade privada e ao patrimônio público, agressão feita puramente pelo ego do pixador, que destrói a cidade, de má fé, sendo uma manifestação sem voz e aculturada. Porém, o que se percebe é que essas críticas normalmente vem daqueles que fecham os olhos para a periferia: é o feio que eles tentam esconder e limpar com violência. 




Documentário que serviu de inspiração para a escrita deste artigo:

https://www.youtube.com/watch?v=skGyFowTzew

sábado, 4 de novembro de 2023

Efeito borboleta das mudanças climáticas: o aumento de casamento infantis

A mudança climática refletida atualmente traça uma linha tênue entre sensações térmicas inesperadas, casamentos infantis e violência doméstica.

    O conceito de aquecimento global não é de hoje, e, por mais que termos técnicos - como efeito estufa, ou a atual era de “ebulição global” - não sejam conhecidos por toda a população, os impactos causados por esses fenômenos, definitivamente, acometem a individualidade de cada habitante e a sociedade como um todo. Além dessas consequências, tem-se, ainda, severos efeitos que se desenrolam de maneira indireta: como é o caso de casamentos infantis. Então qual é essa relação, mesmo que remota?



    Ebulição global: o que temos de novo?

      A nova realidade climática em que o mundo se encontra foi denominada de “ebulição global”. Como uma modificação do aquecimento global, conta com a presença de temperaturas extremas e inéditas, contribuindo, consequentemente, para a persistência do efeito estufa. Referente a esse momento em que o planeta se encontra, alerta-se ao lento impedimento e a quase inexistente prevenção das ações desses fenômenos para ecossistema e sociedade.
      Entretanto, quando essa situação se intensifica, gerando fenômenos naturais extremos – a exemplo de altas temperaturas, ciclones, secas, inundações e tempestades -, em países subdesenvolvidos ou que não apresentam a estrutura necessária para remediação das consequências, tem-se o que se chama de catástrofe. Essas catástrofes constroem um cenário de intensa vulnerabilidade econômica, pobreza extrema, escassez de água e insegurança alimentar. Portanto, uma vez que uma nação não é capaz de prover uma solução para a retificação dessa circunstância, a própria população de um país encontra estratégias e respostas para sua sobrevivência.



    Entendendo culturas

     Para se entender pontos de vistas pertencentes a diferentes sociedades, é preciso olhar para a construção de uma nação e seus valores culturais, solidificados e alterados conforme eventos históricos e situações econômicas. Como analisaremos o casamento infantil, tem-se que esse ocorre quando um ou dois cônjuges são menores de 18 anos. Segundo dados da ONU, sabe-se que “pelo menos 19% das mulheres de 20 a 24 casaram-se com um parceiro antes dos 18 anos, sendo esses dados, mais frequentes em países de baixa e média renda”.
    Assim, culturalmente, entende-se que casar meninas menores de idade com homens adultos, de médio ou alto poder aquisitivo, é uma maneira de garantir a segurança e estabilidade financeira para a família da noiva – sendo responsável, geralmente, pela organização desse matrimônio. Essa decisão, ainda, está ligada de maneira direta com a constante gravidez na adolescência – e, consequentemente, violência doméstica e abusos infantis, tanto por parte dos pais - quando impõem a obrigação do casamento - quanto por parte dos cônjuges com as vítimas da prática ilegal.
     Ainda, tem-se, comumente, em casamentos arranjados, o pagamento de um “dote” – ou seja, uma quantidade de dinheiro ou bens aquisitivos para um dos lados da negociação. Em países como o Vietnã, por exemplo, é mais comum o homem remunerar o dote para a família da noiva. Entretanto, em países como a Índia, tradicionalmente, a família da noiva é responsável por ofertar o dote. Dessa forma, não é tão interessante a realização de casamentos arranjados para meninas menores de idade. Análises como essas podem ser vistas através de estudos e dados, e relacionadas com a situação de crítica influência climática.


     E como lidar?

    O estudo a respeito da relação entre casamentos infantis, violência doméstica e consequências climáticas iniciou-se com o aumento exponencial dos três tópicos, concomitantemente. Assim, conforme agrava-se a condição de fenômenos naturais extremos, aumenta-se a taxa de alianças matrimoniais arranjadas entre menores de idade – principalmente mulheres – e abusos infantis, entendendo-se os motivos que acabamos de ver. Essa realidade, ainda, mostra-se mais próxima do que podemos esperar.
    No Brasil, segundo um estudo feito pela Confederação Nacionaldos Municípios, os estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Sul foram os mais sujeitos às respostas das alterações climáticas entre os anos de 2013 e 2022 – e, ao mesmo tempo, foram os estados que registraram o maior número de matrimônios envolvendo crianças e adolescentes menores de 18 anos. No país, apesar de ter como ilegal a prática do casamento infantil, é possível efetivar sua realização de maneira legítima a partir dos 16 anos, com consentimento de ambos os responsáveis.
   Assim sendo, entende-se que a realidade dessas inconstâncias climáticas já é suficientemente preocupante. Mas, quando se trata de países subdesenvolvidos ou emergentes, cabe ainda lidar com a bola de neve concebida por essas catástrofes – e no caso comentado, com a segurança e qualidade de vida de mulheres e crianças. Tem-se, ainda, a informação de que não seria cara a erradicação desses matrimônios ilegais: o investimento de US$ 35 bilhões seria o suficiente para findar essa realidade, enquanto uma média de US$ 600 por criança é capaz de evitá-la. Assim, um preço equivalente a um artigo de luxo é capaz de modificar toda uma vida.
        E mesmo que não se tenha vestígio de empatia para distender desse capital propenso ao retorno de uma melhor qualidade de vida, pode-se pensar do ponto de vista econômico: essas mesmas mulheres, que se casam quando menores de idade e submetem-se às condições impostas por seus tutores e cônjuges, poderiam contribuir positivamente com a sociedade e economia de uma nação, considerando que teriam a liberdade de optar por suas próprias funções sociais.