O pixo é uma manifestação muito presente no estado de São Paulo, predominantemente na capital, e está alocado no cotidiano de muitos brasileiros, mesmo que indiretamente. Dessa forma, torna-se interessante a análise e o desenvolvimento de uma lente crítica diferente acerca do assunto, coincidentemente você chegou neste breve artigo e está convidado para a leitura.
"Passageiro do Brasil, São Paulo, agoniaQue sobrevivem em meio às honras e covardiasPeriferias, vielas, cortiçosVocê deve tá pensando: O que você tem a ver com isso?"
- Racionais MC's, Nego Drama
Origens
No Brasil, a pichação (com ch) se inicia em meados da década de 60 com a ditadura militar, carregando um grande cunho político em relação à insatisfação social, com mensagens contra a ditadura, com críticas e as mais diversas manifestações populares nos muros. Neste primeiro momento não apresentava letras estilizadas, preocupação estética ou uma comunidade de pixadores (surgirão com o Movimento Pixo), mas ainda sim quando eram pegos sofriam violência e repressão. Em seguida, surgiram as manifestações poéticas, só nos anos 80 que a pixação, com o Movimento Pixo, começou a tomar uma similaridade ao que temos hoje, principalmente com a popularização do movimento punk naquele período. Houve uma espécie de desdobramento deste movimento aqui no Brasil, foi realizada uma antropofagia, em maioria, por parte da periferia, que em suma, trouxe para essa manifestação o caráter anárquico, com inspirações de fontes de letras de capas de banda de rock (como Kiss e Iron Maiden) e runas anglo-saxônicas (alfabeto dos povos germânicos).
Esses acontecimentos foram necessários para o nascimento do que temos como o pixo paulista, que foi fortemente caçado com a eleição de Jânio Quadros para prefeito da cidade de São Paulo, em 1986, que foi responsável pela aplicação de políticas de limpeza pública. Com a constante invisibilidade da periferia e o sufocamento de tal expressão, o pixo começou a tomar outros rumos na década de 90, com um caráter de reconhecimento individual, lazer e adrenalina. No entanto, isso não impediu que o valor de protesto carregado fosse destruído, apenas transformado antropofagicamente em um estilo próprio brasileiro, ao passo que muitos artistas de rua internacionais buscam no pixo paulista, considerado original e expressivo, inspiração para suas obras.
O que o pixo nos diz
Talvez seria incorreto começar pelo que a pixação nos diz: a arte do pixo não está no literal. Segundo muitos pixadores, é um processo criativo, um estilo de vida, de devoção à arte, à medida que muitos correm riscos severos em sua prática, além de serem pegos como infratores da lei, podem se acidentar e vir a óbito.
A pixação, diferente de outras manifestações e protestos, não está no visual, mas sim no ato. Muitas vezes não carregam em seu visual mensagens complexas, apenas os pseudônimos dos autores para a identificação na comunidade, não é para ser legível ou compreendida pela massa, a essência é a ilegalidade, a anarquia, a proibição, a raiva.
São Paulo deu espaço para essa manifestação, a energia da metrópole foi fundamental para sua repercussão até os dias atuais, abriu o espaço com a verticalização constante, para que se tornasse um caderno de caligrafia para aqueles que buscam uma brecha para respirar, é a forma de desabafo, pausa, grito, poesia e crítica social de gerações que precisam se expressar através da destruição, com uma comunição interna de pixador para pixador, a única comunicação com a sociedade é indireta e violenta, é feita para agredir. A periferia achou uma forma de se revoltar, com a máscara do feio, do incompreensível, conseguem transcender os muros que separam as classes, criando uma afronta, principalmente moral, quanto à prática.
Muitos artistas periféricos consideram que o grafite é uma moeda comercial, diferente do pixo que não está dentro da lógica de mercado, logo, apresenta um valor social negativo. Além disso, também consideram que tal manifestação não precisa ser dita como arte por uma instituição, pois é justamente ir contra sua essência. É a fuga e a revolta crua, a invisibilidade fertiliza o cenário que propicia a ocuparem-se dos espaços públicos para os artistas deixarem suas marcas, para contribuir com um meio que pouco são representados.
A sociedade está dependente de padrões, de identidades forjadas, do limpo, liso, uniforme, tudo que foge disso é destoante, torna-se facilmente uma agressão às formas díspares. Os pixadores periféricos, muito marginalizados, formam comunidades que além de serem brechas para a formação de vínculos positivos de amizade, ganham reconhecimento na cena local como praticantes. Participam de encontros e festas escondidas, onde é possível trocar suas assinaturas, que seriam os pixos específicos de cada artista, dessa maneira, oportuniza com que sejam registradas sua existência, pois pouco se tem catalogado sobre, apenas os amantes da comunidade costumam fazer gravações e fotos. Estes, infelizmente, acabam por se perderem pelo tempo, ao passo que não compõem o acervo de instituições formais: estão nas ruas.
No Brasil, o pixo é considerado vandalismo e crime ambiental, seguindo a lei Lei 9.605/98, prescreve multa e detenção ao praticante. Não é considerada uma arte pelo rigor da lei, moralmente existe a tolerância zero contra a pixação, onde o artista é visto como vagabundo e/ou bandido. Nesse panorama, é inevitável que exista uma constante briga entre o governo e os pixadores, na qual há uma maior preocupação em apagar os grafites do que cuidar de medidas públicas que favoreçam as periferias. As gravatas que dão as regras do jogo.
No senso comum, pixação é ligada à criminalidade, ignorando as pluralidades, com o argumento de ataque à propriedade privada e ao patrimônio público, agressão feita puramente pelo ego do pixador, que destrói a cidade, de má fé, sendo uma manifestação sem voz e aculturada. Porém, o que se percebe é que essas críticas normalmente vem daqueles que fecham os olhos para a periferia: é o feio que eles tentam esconder e limpar com violência.
Documentário que serviu de inspiração para a escrita deste artigo:
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