A literatura de
cordel chegou na península Ibérica, Espanha e Portugal, por volta do século
XVI. Recebeu esse nome característico, cordel, por ser pendurada em cordões ou
vendidos estendidos no chão de mercados populares.
O gênero chegou ao
Brasil com os colonizadores portugueses e se difundiu no nordeste, por se
encontrar nesta região a capital do país na época, Salvador, com isso é mais
frequente nesta localidade. O cordel também contém autores de outras regiões,
mas com menor frequência.
O cordel é impresso em folhetos ilustrados por xilografia, técnica pela qual se cria um molde entalhado na madeira em alto revelo um desenho.
Depois, com auxílio
de tintas, o desenho é gravado nos folhetos. Os livrinhos possuem poucas
páginas e geralmente são vendidos pelos próprios escritores. É conhecido como
poema popular, vendido a pequenos preços o que ajuda a popularização dos
cordéis.
Os assuntos tratados
nas obras abrange o cotidiano, vagando entre a seca do sertão, questões
sociais, festas, vida de cangaço ou histórias românticas.
O Brasil possui desde 1988 uma Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC) criada no Rio de Janeiro, a instituição ajudou a difundir o cordel para
outras partes do país. Hoje a Academia realiza projetos promovendo encontros
entre autores, organizando premiações, entre outros. Atualmente a Academia
contém 40 cadeiras para compor o corpo acadêmico com cargo efetivo.
Entre os
autores da literatura de cordel temos: Apolônio Alves dos Santos, Cego Aderaldo, Firmino Teixeira do Amaral, João Martins de Athayde, entre outros. Os
autores já citados são consagrados nessa literatura contendo muitas histórias
de cordel conhecidas.
Discussão do Carioca com o
Pau-de-Arara – Apolônio Alves dos Santos
Já que sou simples poeta
poesia é meu escudo
com ela é que me defendo
já que não tive outro estudo
vou mostrar para o leitor
que o poeta escritor
vive pesquisando tudo
Certo dia feriado
sendo o primeiro do mês
fui tomar uma cerveja
no bar de um português
lá assisti uma cena
agora pego na pena
para contar pra vocês
Quando eu estava sentado
chegou nessa ocasião
um velho pernambucano
daqueles lá do sertão
com a maior ligeireza
foi se sentando na mesa
pediu uma refeição
O português logo trouxe
um prato grande sortido
o nortista vendo aquilo
ficou logo enfurecido
com um gesto carrancudo
começou mexendo tudo
depois falou constrangido
Patrício não leve a mal
nem me queira achar ruim
toda espécie de comida
que você tem é assim?
desculpe minha expressão
mas a sua refeição
não vai servir para mim
Nesta hora o português
ficou zangado também
lhe respondeu ora bola
donde é que você vem?
difamando deste jeito
me diga qual o defeito
que esta comida tem?
O nortista disse eu sofro
um ataque entistinal
a carne está quase podre
o arroz tem muito sal
o feijão está azedo
de comer eu tenho medo
que pode me fazer mal
— O meu estômago não dá
pra receber este entulho
prefiro morrer de fome
mas não como este basculho
pois comendo sei que morro
lá no norte nem cachorro
não come todo bagulho
O português respondeu
você é péssimo freguês
vá embora e faz favor
não vir aqui outra vez
mas antes tem que pagar
não posso lhe perdoar
a desfeita que me fez
O nortista disse eu pago
que isto não me embaraça
para você não pensar
que eu vim comer de graça
mas o nortista de nome
embora morra de fome
mas não come esta desgraça
Acontece que ali
se achava um carioca
disse ele só conhece
farinha de mandioca
todo nortista poeira
só gosta de macacheira
girimum e tapioca
Disse o nortista é porisso
que o nordestino é forçoso
porque no meu velho norte
se come pirão gostoso
com farinha de mandioca
aqui só dá carioca
doente tuberculoso
C. — Respondeu o carioca
não queira tanto agravar
seu nordeste é muito bom
mas lá ninguém quer ficar
deixou lá seu pé de serra
e veio pra minha terra
para poder escapar
N. — Aqui também me pertence
o nortista respondeu
eu sou nato brasileiro
o Brasil é todo meu
o homem precisa andar
para poder desfrutar
do país onde nasceu
C. — O carioca rompeu
nordestino é curioso
além de ter olho grande
é demais ambicioso
chega aqui se amaloca
na terra do carioca
doente tuberculoso
N. — Disse o nortista é porque
nosso Rio de Janeiro
precisa do nordestino
pois é um povo ordeiro
pra quem derrama suor
aqui no Rio é melhor
para se ganhar dinheiro
C. — Mas no Rio de Janeiro
tem operário de sobra
não precisa nordestino
vir aqui fazer manobra
nordestino é atrevido
aqui já é conhecido
por camondonga de obra
N. — Você me diz isso tudo
pra me desclassificar
mas aqui as companhias
preferem mais empregar
os nordestinos que vem
pois carioca não tem
coragem de trabalhar
C. — É porque o carioca
gosta da civilidade
não é defeito ninguém
viver da facilidade
pois ninguém não é cavalo
pra viver criando calo
sem haver necessidade
N. — O carioca só gosta
de viver da malandragem
do jogo e da bebedeira
do vício e da vadiagem
porisso o país da gente
não pode ir para a frente
por causa da pilantragem
C. — O carioca está certo
pensando assim pensa bem
o carioca não gosta
de ser sujeito a ninguém
nem dá valor a operário
que só vive do salário
luta muito e nada tem
N. — Já eu penso diferente
você precisa entender
que nosso mundo é composto
de tudo precisa ter
se não fosse o operário
o rico milionário
como podia viver?
C. — Mas o nortista trabalha
porque é muito uzurario
tem alguém que vem pra qui
mas lá é proprietário
pois devido a ambição
enfrenta até fundação
com os olhos no salário
N. — É porque o nordestino
é um homem acostumado
a só viver do trabalho
não ignora o pesado
não é como o carioca
que só vive da fofoca
da malandragem e do fado
C. — Tinha graça o carioca
se misturar com cimento
como faz o nordestino
que chega ficar cinzento
carioca só procura
um emprego que figura
moral e comportamento
N. — Não é todo carioca
que tem a capacidade
de assumir um emprego
de alta dignidade
precisa de estudar
para assumir um lugar
de responsabilidade
C. — Você aí está certo
o estudo está na frente
porque o mundo ficou
para o mais inteligente
assim diz quem for ativo
o operário é cativo
num país independente
N. — Pois eu gosto do trabalho
e vivo sempre disposto
pois o homem que trabalha
a Jesus dá grande gosto
porque Deus disse a Adão
hás de ganhar o teu pão
com o suor do teu rosto
C. — Então você é Adão
que veio do paraíso
faça lá o que quiser
que de você não preciso
nem vou na sua maloca
porque sou um carioca
que honro o chão onde piso
N. — Nem de você eu preciso
que você é fracassado
pelos traços já se vê
que você é pé rapado
e quem fala deste jeito
só pode ser um sujeito
ignorante atrasado
C. — Disse o carioca eu vivo
com minha alma tristonha
vou embora para onde
o nordestino nem sonha
vou esconder minha cara
para este pau-de-arara
não me matar de vergonha
FIM
Referências:
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