Durante essa série em homenagem à data comemorativa de Dia das Mães, dividida em três partes, abordaremos histórias profundas de mães guerreiras como tantas outras no Brasil afora.
Carolina Maria de Jesus – quem foi?
Carolina Maria de Jesus (1914-1977) foi uma escritora, compositora e poetisa brasileira nascida em Sacramento, Minas Gerais (MG). Filha de pais analfabetos, cursou até o segundo ano escolar – suficiente para desenvolver interesse pela leitura e escrita; porém, em sua mocidade, após a morte de sua mãe, mudou-se para a metrópole de São Paulo, onde residiu na favela do Canindé até 1963 – sendo esse o cenário de muitas de suas obras, a exemplo do livro "Quarto de Despejo". Fora empregada doméstica e, enquanto residente da favela, catava papel para sobreviver durante o dia e escrevia nas horas vagas para sentir-se realmente viva.
Pouco se tem sobre os relatos de Carolina em relação à própria mãe, mas durante todo o livro analisado nessa síntese – “Quarto de Despejo” – o leitor é capaz de mergulhar na experiência da autora em ser mãe solo, negra, trabalhadora e residente da favela em um contexto de grande crise histórica pós Segunda Guerra Mundial e nacional-desenvolvimentismo.
Maternidade aos olhos de Dona Carolina:
A escritora tivera 3 filhos ao longo da vida: João José de Jesus (1948-1977), José Carlos de Jesus (1950-2016) e Vera Eunice de Jesus Lima (1953) – nenhuma de suas gravidezes fora planejada, sendo frutos, também, de relacionamentos diferentes. Durante toda sua obra, são nítidos o carinho, consideração e empatia que Carolina tem por crianças no geral: entende que crianças podem ser imaturas, desastradas e ingênuas – respeitando, acima de tudo, a ingenuidade inerente da fase infantil, característica que tenta preservar a todo custo mesmo no viés em que são criadas. Dessa forma, a autora entende como infantilidade da parte dos adultos discutir com crianças ou afligi-las fisicamente, atribuindo à sua própria responsabilidade tratar os filhos de outros moradores da favela de maneira educada, visando que gostaria que fizessem o mesmo com seus filhos.
Em decorrência desse ambiente hostil que a cercava, sabia da necessidade de manter, sempre que possível, a mente sã: para Carolina, o álcool era inconcebível quando se pensava em uma criação saudável de seus filhos. Apesar de não ser capaz de controlar o comportamento de outros moradores da favela, como frisa em seu livro, faz o possível para difundir um bom exemplo no cotidiano. Esse paradigma materno consistia, também, na tentativa de manter uma infância sadia e preservada de traumas, uma vez que nessa mesma conjuntura havia a constante da violência, da sexualização e abuso – principalmente femininos – presenciados pelas crianças.
“Os ebrios não prosperam. [...] Tenho responsabilidade. Os meus filhos! E o dinheiro gasto em cerveja faz falta para o escencial.”
Além disso, por conta do período em que tivera acesso à educação, Carolina valorizava com excelência a obtenção de conhecimentos, através de estudos acadêmicos e hábitos de leitura, visando o distanciamento da alienação pública. Dessa forma, era substancial a frequência de seus filhos no ambiente escolar; mesmo preocupada com suas condições, sempre se alertava à sua educação – principalmente em detrimento do trabalho ou da requisição de esmolas, como faziam outras crianças.
Outro desafio enfrentado, e talvez o mais pertinente durante a obra, no desenvolvimento de seus filhos, tratava-se da falta de dinheiro. Carência essa que refletia no alimento adquirido, nas roupas e sapatos, e na condição da casa que os envolviam. Durante sua jornada, a escritora obtinha o dinheiro necessário para, no mínimo, uma refeição diária – mostrando maior angústia sempre nas proximidades dos finais de semana. Um tema mais frequente do que a fome em seu livro, é a fome de seus filhos e suas reclamações.
"Como é horrivel ver um filho comer e perguntar: “Tem mais? Esta palavra “tem mais’’ fica oscilando dentro do cerebro de uma mãe que olha as panela e não tem mais.”
Por fim, é importante ressaltar que Carolina Maria de Jesus também faceava dúvidas quanto a ser mãe: nem sempre sabia o que era certo a se fazer, e mesmo quando o fazia, poderia hesitar. Também havia momentos em que se arrependia de sua posição por conta das condições que apresentava, por vezes sentindo-se insuficiente e incapaz. Essas incertezas e ambiguidades não a tornam uma mãe ruim; tais situações e pensamentos são associados à maternidade de maneira natural: antes de ser mãe, qualquer mulher é um ser humano com necessidades e sentimentos próprios. Nesse sentido, vê-se a parte humana de Carolina como pessoa em harmonia com sua persona como mãe em diversos momentos.
“Refleti: preciso ser tolerante com os meus filhos. Eles não tem ninguém no mundo a não ser eu. Como é pungente a condição de mulher sozinha sem um homem no lar.”
A Carolina que se tem em Vera Eunice
Infelizmente, devido ao seu óbito em 1977, não se tem relatos do filho mais velho da escritora, João José. O mesmo é válido para o filho do meio, José Carlos, que, por sua vez, tivera 4 filhas: Adriana, Elisa, Elaine e Lilian. Entretanto, em relação à caçula, Vera Eunice, sabe-se que se tornou professora de língua portuguesa por influência e homenagem à admiração que via por parte de sua mãe pela leitura e escrita – assim como "pelas professoras”. Quando observa e analisa o passado de Carolina, a professora conclui, referente ao legado deixado pela mãe: “Tem-se no Brasil muitas Carolinas: muita mãe solteira, muita mulher negra, muita empregada doméstica.
Em relação à escola, Vera Eunice ainda revive: “Ela jamais deixaria meus irmãos faltarem à escola, então o que ela fazia era os colocar pela janela quando o barco vinha buscar; quando o barco não vinha, ela os colocava nas costas e ia nadando; pegava uma roupinha e trocava lá quando chegava, mas ela não os deixava faltar a escola”.
“Dia das Mães. O céu está azul e branco. Parece que até a Natureza quer homenagear as mães que atualmente se sentem infeliz por não poder realisar os desejos dos seus filhos.”