quarta-feira, 17 de maio de 2023

Histórias de rosas: Carolina Maria de Jesus (Série)

Durante essa série em homenagem à data comemorativa de Dia das Mães, dividida em três partes, abordaremos histórias profundas de mães guerreiras como tantas outras no Brasil afora.



    Carolina Maria de Jesus – quem foi?

    Carolina Maria de Jesus (1914-1977) foi uma escritora, compositora e poetisa brasileira nascida em Sacramento, Minas Gerais (MG). Filha de pais analfabetos, cursou até o segundo ano escolar – suficiente para desenvolver interesse pela leitura e escrita; porém, em sua mocidade, após a morte de sua mãe, mudou-se para a metrópole de São Paulo, onde residiu na favela do Canindé até 1963 – sendo esse o cenário de muitas de suas obras, a exemplo do livro "Quarto de Despejo". Fora empregada doméstica e, enquanto residente da favela, catava papel para sobreviver durante o dia e escrevia nas horas vagas para sentir-se realmente viva.

    Pouco se tem sobre os relatos de Carolina em relação à própria mãe, mas durante todo o livro analisado nessa síntese – “Quarto de Despejo” – o leitor é capaz de mergulhar na experiência da autora em ser mãe solo, negra, trabalhadora e residente da favela em um contexto de grande crise histórica pós Segunda Guerra Mundial e nacional-desenvolvimentismo.

 

    Maternidade aos olhos de Dona Carolina:

    A escritora tivera 3 filhos ao longo da vida: João José de Jesus (1948-1977), José Carlos de Jesus (1950-2016) e Vera Eunice de Jesus Lima (1953) – nenhuma de suas gravidezes fora planejada, sendo frutos, também, de relacionamentos diferentes. Durante toda sua obra, são nítidos o carinho, consideração e empatia que Carolina tem por crianças no geral: entende que crianças podem ser imaturas, desastradas e ingênuas – respeitando, acima de tudo, a ingenuidade inerente da fase infantil, característica que tenta preservar a todo custo mesmo no viés em que são criadas. Dessa forma, a autora entende como infantilidade da parte dos adultos discutir com crianças ou afligi-las fisicamente, atribuindo à sua própria responsabilidade tratar os filhos de outros moradores da favela de maneira educada, visando que gostaria que fizessem o mesmo com seus filhos. 

    Em decorrência desse ambiente hostil que a cercava, sabia da necessidade de manter, sempre que possível, a mente sã: para Carolina, o álcool era inconcebível quando se pensava em uma criação saudável de seus filhos. Apesar de não ser capaz de controlar o comportamento de outros moradores da favela, como frisa em seu livro, faz o possível para difundir um bom exemplo no cotidiano. Esse paradigma materno consistia, também, na tentativa de manter uma infância sadia e preservada de traumas, uma vez que nessa mesma conjuntura havia a constante da violência, da sexualização e abuso – principalmente femininos – presenciados pelas crianças.


“Os ebrios não prosperam. [...] Tenho responsabilidade. Os meus filhos! E o dinheiro gasto em cerveja faz falta para o escencial.”


    Além disso, por conta do período em que tivera acesso à educação, Carolina valorizava com excelência a obtenção de conhecimentos, através de estudos acadêmicos e hábitos de leitura, visando o distanciamento da alienação pública. Dessa forma, era substancial a frequência de seus filhos no ambiente escolar; mesmo preocupada com suas condições, sempre se alertava à sua educação – principalmente em detrimento do trabalho ou da requisição de esmolas, como faziam outras crianças.

    Outro desafio enfrentado, e talvez o mais pertinente durante a obra, no desenvolvimento de seus filhos, tratava-se da falta de dinheiro. Carência essa que refletia no alimento adquirido, nas roupas e sapatos, e na condição da casa que os envolviam. Durante sua jornada, a escritora obtinha o dinheiro necessário para, no mínimo, uma refeição diária – mostrando maior angústia sempre nas proximidades dos finais de semana. Um tema mais frequente do que a fome em seu livro, é a fome de seus filhos e suas reclamações.


"Como é horrivel ver um filho comer e perguntar: “Tem mais? Esta palavra “tem mais’’ fica oscilando dentro do cerebro de uma mãe que olha as panela e não tem mais.”

 

    Por fim, é importante ressaltar que Carolina Maria de Jesus também faceava dúvidas quanto a ser mãe: nem sempre sabia o que era certo a se fazer, e mesmo quando o fazia, poderia hesitar. Também havia momentos em que se arrependia de sua posição por conta das condições que apresentava, por vezes sentindo-se insuficiente e incapaz. Essas incertezas e ambiguidades não a tornam uma mãe ruim; tais situações e pensamentos são associados à maternidade de maneira natural: antes de ser mãe, qualquer mulher é um ser humano com necessidades e sentimentos próprios. Nesse sentido, vê-se a parte humana de Carolina como pessoa em harmonia com sua persona como mãe em diversos momentos.

 

“Refleti: preciso ser tolerante com os meus filhos. Eles não tem ninguém no mundo a não ser eu. Como é pungente a condição de mulher sozinha sem um homem no lar.”


    A Carolina que se tem em Vera Eunice

    Infelizmente, devido ao seu óbito em 1977, não se tem relatos do filho mais velho da escritora, João José. O mesmo é válido para o filho do meio, José Carlos, que, por sua vez, tivera 4 filhas: Adriana, Elisa, Elaine e Lilian. Entretanto, em relação à caçula, Vera Eunice, sabe-se que se tornou professora de língua portuguesa por influência e homenagem à admiração que via por parte de sua mãe pela leitura e escrita – assim como "pelas professoras”. Quando observa e analisa o passado de Carolina, a professora conclui, referente ao legado deixado pela mãe: “Tem-se no Brasil muitas Carolinas: muita mãe solteira, muita mulher negra, muita empregada doméstica.

    Em relação à escola, Vera Eunice ainda revive: “Ela jamais deixaria meus irmãos faltarem à escola, então o que ela fazia era os colocar pela janela quando o barco vinha buscar; quando o barco não vinha, ela os colocava nas costas e ia nadando; pegava uma roupinha e trocava lá quando chegava, mas ela não os deixava faltar a escola”. 


“Dia das Mães. O céu está azul e branco. Parece que até a Natureza quer homenagear as mães que atualmente se sentem infeliz por não poder realisar os desejos dos seus filhos.”






quarta-feira, 10 de maio de 2023

Histórias de rosas: Elza Soares (Série)

Quem foi Elza Soares?

Elza da Conceição Soares (1930-2022), foi uma cantora, compositora musical e puxadora de samba-enredo brasileira nascida na favela da Moça Bonita no Rio de Janeiro, era periférica, mulher negra e pobre. Veio de família muito humilde, mas sempre guardava em si o sonho de ser cantora, tal era o sonho, que desde a infância já compunha suas primeiras canções e recebia muitos elogios de parentes e amigos. Em 1953, se inscreveu em um concurso musical do programada de rádio chamado "Calouros em Desfile" e ganhou nota máxima, a princípio, o apresentador Ary Barroso, que na época apresentava esse concurso, tentou ridicularizá-la com a pergunta: "De que planeta você veio, minha filha?" E ela, sem medo, responde: "Do mesmo planeta que o senhor, Seu Ary. Do planeta fome!". Apesar do jeito simples e humilde, não tinha medo, sabia de onde seu discurso saía, de tal maneira, que após esse programa se inscreveu no concurso de música de Ary Barroso e fez sua primeira apresentação ao vivo, mostrou todo seu potencial. De início, não teve muita notoriedade e não ganhou muito dinheiro, entretanto, foi um momento crucial para seu desenvolvimento como cantora e ícone brasileiro de denúncia social com suas composições, nascia uma estrela que se eternizaria na cultura brasileira.

Teve uma vida pessoal conturbada, contudo, sempre fez o que amava: cantar. E Elza, apesar de seu timbre único, foi voz do povo brasileiro, das mulheres negras, da fome, da pobreza, do racismo - moveu a chama da luta até seus últimos dias - transcendendo o papel de cantora e se eternizando por sua arte e política. Elza foi mãe para além do ventre.


"Minha voz, uso pra dizer o que se cala

O meu país é meu lugar de fala"

Trecho da música "O que se cala", de Elza Soares.


Maternidade Dramática

Elza Soares teve no total oito filhos. Foi mãe com apenas seus 13 anos de idade, fruto de um matrimônio forçado após uma tentativa de abuso que sofreu de um conhecido de seu pai, deste, teve dois filhos, que não foram registrados, um deles morreu devido a uma doença e o outro decorrente de desnutrição, pois como eram muito pobres, não conseguiam comprar medicamentos ou comida, mesmo que ela trabalhasse, pois na época, seu marido tinha adoecido por tuberculose e Elza pode trabalhar. Aos 21 anos ficou viúva de seu primeiro marido e aos 27 anos tinha no total 5 crianças: João Carlos, Gerson (que foi entregue a adoção por Elza, por não poder oferecer condições favoráveis para criar o filho), Gilson (morreu em 2015, com 59 anos, após complicações de uma infecção urinária), Dilma (que foi sequestrada em 1950 enquanto era recém nascida por um casal de confiança e só seria encontrada 30 anos depois, em 1980). Posteriormente viria a ter seu filho com Garrincha, Manoel Francisco, que faleceu em um acidente de carro com apenas 9 anos, acarretando a Elza uma depressão e abuso de drogas.


"A única coisa do passado que ainda me machuca é a perda dos meus quatro filhos. O resto tiro de letra. Mas filho é uma ferida aberta que não cicatriza. Estará sempre presente!". 

Elza Soares


Em diversas entrevistas, apesar das feridas que não cicatrizavam, visíveis com a visceralidade que carregava em suas músicas, era crédula e acreditava que todos tivessem uma missão, cantou para tentar salvar seus filhos da fome, lutou em muitas batalhas, mesmo que em muitas sabia da derrota, mas lutou. Elza teve uma vida trágica, castigada de diversas maneiras, e nisso viu a oportunidade de trazer a voz àqueles que sofrem injustiça.


"Foi assim comigo. Eu comecei a cantar para salvar meu filho da fome, para dar a ele o que comer, mas aquela batalha eu perdi. A partir dali começou a minha guerra, minha luta por cada uma de nós, por cada um de nós, da nossa gente, por todas as vítimas que não tiveram chance de lutar. A partir dali eu empunhei a minha voz, a minha melhor arma para lutar pelos nossos direitos e principalmente pelo direito de cada um de nós à vida. Eu prometi a mim mesma que cada pessoa que sofresse injustiça, fosse quem fosse, teria na minha voz um abraço." 

Trecho de uma carta de Elza Soares para a mãe de Kathlen Romeu, revista Piauí.


Foi mãe para além do ventre, acolheu, de forma metafísica, cada um daqueles que sofrem a injustiça, "foi uma mãe para as mulheres negras, cantou seus amores e dores", como diz Djamila Ribeiro, filósofa. Elza Soares sentiu na pele e cantou do 'planeta fome', do que ecoa das periferias, assentiu seu lugar de fala, foi porta-voz de lutas feministas, raciais, de representatividade, de violência nas periferias, fez pela luta e pelo amor, inspirando gerações e gerações que ainda vale a pena a batalha, assim, Elza eterniza-se com um legado que transcende a música. Aqui não é apenas a história de uma mãe, mas de uma mulher, negra, periférica, é sobre seu legado, que apesar da dor da maternidade precoce, das perdas de seus filhos, viu nisso a esperança e fez história na cultura brasileira.




sexta-feira, 5 de maio de 2023

Histórias de rosas: especial Dia das Mães (Série)

Durante essa série em homenagem à data comemorativa de Dia das Mães, dividida em três partes - sendo essa, a introdução, abordaremos histórias profundas de mães guerreiras como tantas outras no Brasil afora.

    Mãe só tem uma; comemorações têm várias!

    A palavra “mãe” possui sua provável origem no proto-indo-europeu “méh₂tēr” – sendo o h₂ referente a representação de um determinado som -, em 5000 a.C., chegando ao latim na forma de “māter”. E assim como suas diferentes variações, a depender da língua analisada, existem diferentes comemorações dessa data festiva. Apresentando sua origem nos Estados Unidos, o dia especial surgiu a partir de uma homenagem por parte da ativista Ann Jarvis, em conjunto com outras mulheres, à sua falecida mãe. Porém na Indonésia, por exemplo, a data é mais comumente celebrada no dia 22 de dezembro, e reivindica a liberdade feminina e a igualdade de gênero. No México, filhos realizam uma serenata e preparam a refeição, seguidas da ida à igreja. Na Etiópia, ainda, a comemoração estende-se por 3 dias, envolvendo decoração de casas, dança e banquete.

    Já no "país" Xepa Mexida, a contemplação desse dia se dará através da homenagem à luta de mães brasileiras com uma série mensal, trabalhando a luta dessas mulheres, para além do âmbito pessoal, o reflexo da composição de toda uma sociedade.