Quem foi Elza Soares?
Elza da Conceição Soares (1930-2022), foi uma cantora, compositora musical e puxadora de samba-enredo brasileira nascida na favela da Moça Bonita no Rio de Janeiro, era periférica, mulher negra e pobre. Veio de família muito humilde, mas sempre guardava em si o sonho de ser cantora, tal era o sonho, que desde a infância já compunha suas primeiras canções e recebia muitos elogios de parentes e amigos. Em 1953, se inscreveu em um concurso musical do programada de rádio chamado "Calouros em Desfile" e ganhou nota máxima, a princípio, o apresentador Ary Barroso, que na época apresentava esse concurso, tentou ridicularizá-la com a pergunta: "De que planeta você veio, minha filha?" E ela, sem medo, responde: "Do mesmo planeta que o senhor, Seu Ary. Do planeta fome!". Apesar do jeito simples e humilde, não tinha medo, sabia de onde seu discurso saía, de tal maneira, que após esse programa se inscreveu no concurso de música de Ary Barroso e fez sua primeira apresentação ao vivo, mostrou todo seu potencial. De início, não teve muita notoriedade e não ganhou muito dinheiro, entretanto, foi um momento crucial para seu desenvolvimento como cantora e ícone brasileiro de denúncia social com suas composições, nascia uma estrela que se eternizaria na cultura brasileira.
Teve uma vida pessoal conturbada, contudo, sempre fez o que amava: cantar. E Elza, apesar de seu timbre único, foi voz do povo brasileiro, das mulheres negras, da fome, da pobreza, do racismo - moveu a chama da luta até seus últimos dias - transcendendo o papel de cantora e se eternizando por sua arte e política. Elza foi mãe para além do ventre.
"Minha voz, uso pra dizer o que se cala
O meu país é meu lugar de fala"
Trecho da música "O que se cala", de Elza Soares.
Maternidade Dramática
Elza Soares teve no total oito filhos. Foi mãe com apenas seus 13 anos de idade, fruto de um matrimônio forçado após uma tentativa de abuso que sofreu de um conhecido de seu pai, deste, teve dois filhos, que não foram registrados, um deles morreu devido a uma doença e o outro decorrente de desnutrição, pois como eram muito pobres, não conseguiam comprar medicamentos ou comida, mesmo que ela trabalhasse, pois na época, seu marido tinha adoecido por tuberculose e Elza pode trabalhar. Aos 21 anos ficou viúva de seu primeiro marido e aos 27 anos tinha no total 5 crianças: João Carlos, Gerson (que foi entregue a adoção por Elza, por não poder oferecer condições favoráveis para criar o filho), Gilson (morreu em 2015, com 59 anos, após complicações de uma infecção urinária), Dilma (que foi sequestrada em 1950 enquanto era recém nascida por um casal de confiança e só seria encontrada 30 anos depois, em 1980). Posteriormente viria a ter seu filho com Garrincha, Manoel Francisco, que faleceu em um acidente de carro com apenas 9 anos, acarretando a Elza uma depressão e abuso de drogas.
"A única coisa do passado que ainda me machuca é a perda dos meus quatro filhos. O resto tiro de letra. Mas filho é uma ferida aberta que não cicatriza. Estará sempre presente!".
Elza Soares
Em diversas entrevistas, apesar das feridas que não cicatrizavam, visíveis com a visceralidade que carregava em suas músicas, era crédula e acreditava que todos tivessem uma missão, cantou para tentar salvar seus filhos da fome, lutou em muitas batalhas, mesmo que em muitas sabia da derrota, mas lutou. Elza teve uma vida trágica, castigada de diversas maneiras, e nisso viu a oportunidade de trazer a voz àqueles que sofrem injustiça.
"Foi assim comigo. Eu comecei a cantar para salvar meu filho da fome, para dar a ele o que comer, mas aquela batalha eu perdi. A partir dali começou a minha guerra, minha luta por cada uma de nós, por cada um de nós, da nossa gente, por todas as vítimas que não tiveram chance de lutar. A partir dali eu empunhei a minha voz, a minha melhor arma para lutar pelos nossos direitos e principalmente pelo direito de cada um de nós à vida. Eu prometi a mim mesma que cada pessoa que sofresse injustiça, fosse quem fosse, teria na minha voz um abraço."
Trecho de uma carta de Elza Soares para a mãe de Kathlen Romeu, revista Piauí.
Foi mãe para além do ventre, acolheu, de forma metafísica, cada um daqueles que sofrem a injustiça, "foi uma mãe para as mulheres negras, cantou seus amores e dores", como diz Djamila Ribeiro, filósofa. Elza Soares sentiu na pele e cantou do 'planeta fome', do que ecoa das periferias, assentiu seu lugar de fala, foi porta-voz de lutas feministas, raciais, de representatividade, de violência nas periferias, fez pela luta e pelo amor, inspirando gerações e gerações que ainda vale a pena a batalha, assim, Elza eterniza-se com um legado que transcende a música. Aqui não é apenas a história de uma mãe, mas de uma mulher, negra, periférica, é sobre seu legado, que apesar da dor da maternidade precoce, das perdas de seus filhos, viu nisso a esperança e fez história na cultura brasileira.
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