quinta-feira, 1 de junho de 2023

O que cupidos e filósofos têm em comum? - Parte 1

Dia dos Namorados, relações líquidas e o capitalismo da pós modernidade globalizada: não é só com beijos que se prova o amor!




    Era uma vez...

     O Dia dos Namorados, como é conhecido e comemorado no Brasil, em 12 de junho, é a data comemorativa correspondente ao “Valentine’s Day” – ou Dia de São Valentim -, celebrado no dia 14 de fevereiro ao redor do globo terrestre, e não comemora apenas o amor romântico; mas sim, o amor familiar e entre amigos. Apesar de semelhantes em sua essência, apresentam origens bem distintas que resultaram em um mesmo propósito: o lucro de comerciantes e da indústria de entretenimento de massa. 

   A data estrangeira teve seu provável surgimento no século III – popularizando-se, no entanto, no século V, a partir do reconhecimento do mártir São Valentim como santo. Admite-se que, na época, o padre unia jovens em matrimônio sob teor religioso em uma época que casamentos eram proibidos – o então imperador romano Cláudio II havia-os banido, com a alegação de que a constituição de uma família impediria homens de serem bons soldados. 

    Uma vez descoberto, Valentim foi preso e, antes de condenado à morte – decapitação essa que aconteceu no dia 14 de fevereiro -, estando apaixonado, escrevia cartas de amor assinadas “de seu Valentim”. Os poetas Geoffrey Chaucer e Charles d’Órleans incentivaram, durante os anos seguintes, a popularização da lenda ao creditar o mártir em seus textos. As grandes empresas, por sua vez, fizeram sua parte adotando data a partir dos séculos XIX e XX, através da globalização e consolidação do capitalismo. 


    O outro lado da moeda

    Já no Brasil, a data efetivou-se de fato no ano de 1949, através de uma ação de campanha publicitária para um loja por parte do publicitário João Dória, pai do ex-governador de São Paulo: junho era considerado um mês muito fraco para vendas, atingindo diretamente os comerciantes; por isso, sugeriu o dia 12 de junho – aproveitando-se de o dia anterior ser considerado o dia do santo casamenteiro, Santo Antônio – como o Dia dos Namorados. 

    Essa data, que contava com o slogan “não é só com beijos que se prova o amor”, deveria ser utilizada para presentear seu parceiro e pessoa amada com o mais vasto leque de opções – e, até os dias atuais, junho é um dos mais fortes meses de venda. 


    Comprando, consumindo, amando

    Nesse sentido, o que não faltam são motivos para reconhecer-se o teor capitalista e lucrativo que é atrelado à data. Durante o passar dos anos, novos presentes são inventados, reinventados e vendidos a preços exorbitantes – e até mesmo os clássicos e simples são, ainda, comprados em desmesurada escala. Mas o que esse valor simboliza dentro de um relacionamento? Gastar com um companheiro prova amor ou o amor é comprado pelo dinheiro? 

    E nessa conjuntura, o capitalismo não se beneficia do amor apenas através de uma ocasião específica: mas sim, por meio de um consumo em massa de obras que vendem uma idealização de amor, justamente para tal fim. Através de produções cinematográficas, por exemplo, é recorrente a entrega de presentes àqueles quem a personagem está tentando conquistar ou redimir-se, substituindo até mesmo erros por bens materiais – em muitos desses estereótipos, a ação funciona de maneira exemplar. A partir da consumação desses conteúdos em diferentes fases da vida, a tendência é uma inconsciente reprodução de comportamentos que são ofertados como corretos ou o caminho a ser seguido. Essa proliferação de comportamentos, no entanto, não se restringe apenas ao âmbito das compras. 

    Existe, ainda, uma implícita comparação com o “relacionamento midiático” – seja com celebridades, influencers ou até mesmo conhecidos: o que se absorve é o que é exposto nas redes sociais. A partir disso, expectativas e definições da qualidade de um relacionamento podem ser alteradas, através do desejo de ter para si “algo tão bom” quanto o parâmetro de admiração estabelecido – analogia que pode ser feita não apenas com bens materiais; mas também, com ações. 

    No entanto, não se trata de responsabilizar o relacionamento, a comemoração da data festiva em si ou a troca de presentes como objeto de culpa: mas sim, propor o questionamento da influência dos valores que esse dia – e suas conseguintes imposições – exerce sobre o relacionamento e individualidade humana, independentemente da situação amorosa em que se encontra. Receber ou não presentes – e sua congruente qualidade – não deve ser fator decisivo para determinar a índole de um parceiro em sua relação, assim como demonstrações de carinho e respeito não devem ser “reservadas” apenas para um dia dos 365 que compõe o ano. 

 


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