quarta-feira, 21 de junho de 2023

O que cupidos e filósofos têm em comum? - Parte 2

Dia dos Namorados, relações líquidas e o capitalismo da pós modernidade globalizada: a cultura pop e a fórmula mágica do casamento.




    Calcule seu felicitômetro

     O que se esperar de uma sociedade em que tudo é programado para não durar? Talvez para Heráclito, a base da vida seja como o correr das águas de um rio: apenas tudo deva mudar constantemente. Porém, para o filósofo polonês Zygumnt Bauman, pode-se categorizar essa sensação com algumas expressões: sociedade e amor líquidos. Quando se trata do nicho das redes sociais e cultura de descarte em massa, entende-se que a ideia central do escritor se fundamenta em um amor “que escorre por entre os dedos”: consequência de relações superficiais que proporcionam laços descartáveis. 

     Assim, no contexto de uma sociedade pós modernidade globalizada, existe uma busca inconsciente pela gratificação imediata e validação pessoal. Essa felicidade líquida, portanto, deve ser atestada pelos outros – sendo esse, portanto, um dos principais defeitos encontrados e abordados por Bauman. Mas se o posicionamento proposto se assemelha a uma crítica ao amor, existe uma lacuna por entre o espaçamento das palavras: justamente por ser uma necessidade fundamental do ser humano, deve-se haver mais discussões sobre o tema fora da utopia proposta pelo entretenimento de massa. 


    Madame Bovary e o “como eu quero” do Kid Abelha

     O termo “Bovarismo” é de teor psicológico utilizado para designar pessoas que não se satisfazem com a realidade em que estão inseridos ou coisas que possuem, constantemente idealizando e comparando com outras naturezas – situação que se adapta, também, a relacionamentos. O termo foi inspirado pela célebre personagem Emma Bovary, que entendia como seu conceito de amor, tudo aquilo que absorvia dos livros de romance que lia quando adolescente: um amor avassalador, inconstante e, acima de tudo, fictício – afinal, sua função comercial é entreter o leito e se vender a partir disso. Já era de se esperar que, ao comprometer-se em um relacionamento, Bovary cai na rotina, assim como sua imaginação e expectativas.

     E se “Madame Bovary”, de 1856, expõe essa problemática como característica pertinente ao ser humano, entende-se que a raiz do problema esconde-se muito além da nossa realidade. Dessa maneira, não se pode culpar o momento social em que estamos inseridos pelo modo que nos relacionamos; ao mesmo tempo, não é possível escapar dele, cabendo a nós, imponentemente, entendê-lo e adequar nossas expectativas e idealizações aquilo que nos é ofertado – não aquilo que é vendido como fórmula mágica e exigência para a felicidade.  


 Cultura pop, redes sociais e nossos coachs de relacionamento

     Retornando, entretanto, ao século XXI, a contemporaneidade se depara com as redes sociais cotidianamente – negar, pelo menos uma parcela mínima de contato rotineiro, é inverossímil. No quesito relacionamento, tem-se a questão de comparação com outros casais, principalmente nos veículos Instagram e TikTok: quando um grande gesto viraliza em um desses meios, é comum por parte dos espectadores colocá-los em um patamar de referência a ser seguido; como por exemplo, a constantemente repetida frase “se [determinado casal] terminar, não acredito mais no amor”. O problema se dá quando esses comentários deixam de ser simples interações para tornarem-se crenças e ações concretas.

     Em um episódio da recém estreada temporada da série “Black Mirror”, uma empresa de streaming opta por realizar séries baseadas no cotidiano de cada indivíduo, a partir de registros captados pelos celulares individuais de cada consumidor. Entretanto, ao decidirem o viés que a obra apresentaria, abordaram uma visão negativa e conturbada da vida das pessoas, já que momentos comuns próprios não possuíam um potencial instigador; e, portanto, não gerariam tanto entretenimento. Assim, na realidade, o mesmo acontece, também, de maneira inversa: aquilo que é exposto geralmente apresenta a intenção de ser visto pelo máximo de pessoas – seja real, ou ficção. E por mais que tais momentos sejam efetivamente verdadeiros, não se pode basear diferentes modos de vida e personalidades em apenas uma única ação, manipulada pelas lentes da fonte de que a emite. 

     Assim, não se tem um culpado a quem evitar ou criticar: apenas a libertação de padrões que são vendidos e comprados por nós repetidamente. Não se ter tudo o que outras pessoas possuem, ou não suceder com todas as exigências das expectativas de uma idealização, não é sinônimo de uma vida – individual ou amorosa – infeliz. Pelo contrário: deve-se utilizar esses meios a favor próprio no intuito de se conhecer o suficiente, a fim de não se manter preso às amarras há muito tempo socialmente enraizadas; e, logicamente, não condizentes com os valores morais de todos os seres humanos. 

quarta-feira, 14 de junho de 2023

Moda Old Money: meu bilionário favorito!! - Parte 1

É inegável que a Internet é um campo que permite diversas pessoas compartilharem seus gostos, influenciar massas, principalmente no campo da moda. Hoje discutiremos um pouco sobre o fenômeno do Old Money nas redes sociais e suas implicações sociais, sente-se e aproveite!




Afinal, o que é Old Money?

Old Money, na tradução literal, significa "dinheiro velho", ou seja, herança, moda dos herdeiros. O termo ganhou grande capilaridade com o TikTok, com hashtags que chegaram a atingir milhões visualizações, mas desde o início da pandemia do covid-19, em 2020, já esteve presente nas redes. Historicamente, esse estilo surgiu em regiões de acúmulo de capital durante e após a Revolução Industrial, principalmente nos Estados Unidos e partes da Europa. Possui raízes derivadas do estilo Preppy, que seria inspirado nos uniformes de estudantes de escolas particulares preparatórias dos Estados Unidos, entretanto, é mais ligado ao modo de se vestir dos burgueses do século XX, os quais podemos citar famílias tradicionais, herdeiros, que fazem parte da alta aristocracia da sociedade. 

Os looks apresentam suéteres, roupas de seda, ouro, pérolas, nomes de grandes grifes como Chanel e Ralph Laureen, porém sempre discretos, nunca com grandes logos e sempre presentes as cores neutras e atemporais. São principalmente inspirações de esportes elitizados, como o hipismo, golfe, tênis e polo. Sempre optando pela elegância sem extravagância. 


Mas o que tem de tão errado com esse estilo?

Por mais que esse estilo, que está inserido nos dias atuais entre os jovens na Internet, possa estimular certos hábitos mais sustentáveis e saudáveis com a moda - como optar por roupas de maior qualidade que poderão durar anos - ainda é pauta discutível, afinal, sofremos um seríssimo problema com descartes de roupas e a famosa fast fashion. Nesse caso sim, é interessante a ascensão de um estilo que opte por formas mais sustentáveis de se consumir a moda, ainda mais com a quantidade de conteúdo rápido presente em redes sociais como o TikTok, onde tais estilos duram menos de uma semana e caem em total esquecimento, estimulando ainda mais o consumismo exacerbado presente na nossa sociedade. No entanto, nossos olhos devem ser atentos: o aspecto social é muito mais impactante e esconde uma verdade dura e crua sobre o fenômeno do Old Money, a romantização da aristocracia e o classicismo. 

Esse estilo não é só presente nas roupas, também se apresenta na arquitetura, no lazer, na educação, é um estilo de vida, são herdeiros. Um ponto interessante de enfatizar é que o Old Money seria contrário aos intitulados New Money (na tradução literal, significa "novo dinheiro", os novos ricos), pois para eles são extravagantes demais, carregam logos de grifes, são outdoors públicos de marcas, vulgares...ainda sim, olhando mais profundamente, veremos apenas mais uma maneira dos ricos herdeiros de se distanciar dos novos ricos, que provavelmente nunca farão parte dessa aristocracia, porque não é totalmente pelo dinheiro (óbvio que é necessário), estamos falando do nome que importa, a herança. Não é de hoje que a burguesia cria métodos para se diferenciar do resto, dos trabalhadores, mesmo os que raramente são contemplados com a ascensão social, mostrando etiquetas, códigos, regras, parâmetros, que não podem ser alcançados pelos "outros" (mesmo que estes tentem replicá-los), por aqueles que não fazem parte desse grupo seleto, esse é o objetivo, criar a redoma indestrutível dos "sangue azul". Agora com o acesso das massas a esse estilo, será que os burgueses entregarão as cartas?


quinta-feira, 1 de junho de 2023

O que cupidos e filósofos têm em comum? - Parte 1

Dia dos Namorados, relações líquidas e o capitalismo da pós modernidade globalizada: não é só com beijos que se prova o amor!




    Era uma vez...

     O Dia dos Namorados, como é conhecido e comemorado no Brasil, em 12 de junho, é a data comemorativa correspondente ao “Valentine’s Day” – ou Dia de São Valentim -, celebrado no dia 14 de fevereiro ao redor do globo terrestre, e não comemora apenas o amor romântico; mas sim, o amor familiar e entre amigos. Apesar de semelhantes em sua essência, apresentam origens bem distintas que resultaram em um mesmo propósito: o lucro de comerciantes e da indústria de entretenimento de massa. 

   A data estrangeira teve seu provável surgimento no século III – popularizando-se, no entanto, no século V, a partir do reconhecimento do mártir São Valentim como santo. Admite-se que, na época, o padre unia jovens em matrimônio sob teor religioso em uma época que casamentos eram proibidos – o então imperador romano Cláudio II havia-os banido, com a alegação de que a constituição de uma família impediria homens de serem bons soldados. 

    Uma vez descoberto, Valentim foi preso e, antes de condenado à morte – decapitação essa que aconteceu no dia 14 de fevereiro -, estando apaixonado, escrevia cartas de amor assinadas “de seu Valentim”. Os poetas Geoffrey Chaucer e Charles d’Órleans incentivaram, durante os anos seguintes, a popularização da lenda ao creditar o mártir em seus textos. As grandes empresas, por sua vez, fizeram sua parte adotando data a partir dos séculos XIX e XX, através da globalização e consolidação do capitalismo. 


    O outro lado da moeda

    Já no Brasil, a data efetivou-se de fato no ano de 1949, através de uma ação de campanha publicitária para um loja por parte do publicitário João Dória, pai do ex-governador de São Paulo: junho era considerado um mês muito fraco para vendas, atingindo diretamente os comerciantes; por isso, sugeriu o dia 12 de junho – aproveitando-se de o dia anterior ser considerado o dia do santo casamenteiro, Santo Antônio – como o Dia dos Namorados. 

    Essa data, que contava com o slogan “não é só com beijos que se prova o amor”, deveria ser utilizada para presentear seu parceiro e pessoa amada com o mais vasto leque de opções – e, até os dias atuais, junho é um dos mais fortes meses de venda. 


    Comprando, consumindo, amando

    Nesse sentido, o que não faltam são motivos para reconhecer-se o teor capitalista e lucrativo que é atrelado à data. Durante o passar dos anos, novos presentes são inventados, reinventados e vendidos a preços exorbitantes – e até mesmo os clássicos e simples são, ainda, comprados em desmesurada escala. Mas o que esse valor simboliza dentro de um relacionamento? Gastar com um companheiro prova amor ou o amor é comprado pelo dinheiro? 

    E nessa conjuntura, o capitalismo não se beneficia do amor apenas através de uma ocasião específica: mas sim, por meio de um consumo em massa de obras que vendem uma idealização de amor, justamente para tal fim. Através de produções cinematográficas, por exemplo, é recorrente a entrega de presentes àqueles quem a personagem está tentando conquistar ou redimir-se, substituindo até mesmo erros por bens materiais – em muitos desses estereótipos, a ação funciona de maneira exemplar. A partir da consumação desses conteúdos em diferentes fases da vida, a tendência é uma inconsciente reprodução de comportamentos que são ofertados como corretos ou o caminho a ser seguido. Essa proliferação de comportamentos, no entanto, não se restringe apenas ao âmbito das compras. 

    Existe, ainda, uma implícita comparação com o “relacionamento midiático” – seja com celebridades, influencers ou até mesmo conhecidos: o que se absorve é o que é exposto nas redes sociais. A partir disso, expectativas e definições da qualidade de um relacionamento podem ser alteradas, através do desejo de ter para si “algo tão bom” quanto o parâmetro de admiração estabelecido – analogia que pode ser feita não apenas com bens materiais; mas também, com ações. 

    No entanto, não se trata de responsabilizar o relacionamento, a comemoração da data festiva em si ou a troca de presentes como objeto de culpa: mas sim, propor o questionamento da influência dos valores que esse dia – e suas conseguintes imposições – exerce sobre o relacionamento e individualidade humana, independentemente da situação amorosa em que se encontra. Receber ou não presentes – e sua congruente qualidade – não deve ser fator decisivo para determinar a índole de um parceiro em sua relação, assim como demonstrações de carinho e respeito não devem ser “reservadas” apenas para um dia dos 365 que compõe o ano.